Em área desativada, 1ª ambulância rodoferroviária da Amazônia está esquecida e abandonada

Veículo rodoferroviário foi pioneiro na Amazônia
Quem passa no cruzamento da Avenida Santana com a Rua Cláudio Lúcio Monteiro, e consegue observar do portão principal onde funcionava da antiga mineradora Zamin Amapá, com certeza já deve ter visto um antigo veículo (modelo da década de 1960) na área interna dessa antiga mineradora, hoje coberto por matagal e apresentando sinais claros de manchas e deterioração física. 

Esse veículo que andou sobre os trilhos ferroviários de uma mineradora que explorou mais de 65 milhões de toneladas de minério de manganês do Estado do Amapá por mais de quatro décadas, era um tipo de carro adaptado para servir de ambulância para o setor de saúde da Indústria e Comércio de Minérios Ltda (ICOMI). 

Veículo está desgastado e coberto por matagal
“Foi um marco de uma geração de profissionais da saúde que amavam trabalhar nessa empresa, e sabiam da importância desse veículo quando alguém precisava ser vacinado em alguma localidade atendida pela empresa ou transportando alguma pessoa doente”, relembra o aposentado José Maciel, de 78 anos, que hoje reside em Macapá. 

Maciel conta que trabalhou na mineradora ICOMI entre 1968 e 1980 no cargo de soldador e auxiliar de mecânico, onde ainda viu o histórico veículo trafegando constantemente pelos quase 200km de ferrovia que ligava as minas de Serra do Navio ao embarcadouro da empresa, na cidade de Santana. 

1965: Ambulância andando sob trilho
“A princípio ela era mais usada para levar somente os médicos e diretores da empresa nos locais de vacinação, daí quando percebi já servia de transporte para pessoas doentes e fazia até três viagens por semana pela ferrovia”, detalhou. 

Veículo pioneiro 
Adaptados para circular em ferrovias e estradas convencionais, veículos denominados Hi-ferroviário (“Hy-rail”) ou rodoferroviário surgiam no final da década de 1950, contendo um conjunto adicional de rodas de aço retrátil, para a condução em vias férreas. 

Tais veículos eram geralmente utilizados para a manutenção de linhas ferroviárias ou construção de novas estradas. 

O veículo rodoferroviário existente na ICOMI, foi adaptado de uma amazona (ano 1962) configurada e montada como uma ambulância. Mantinha a mecânica básica do Chevrolet Amazona 3100, com os adaptadores ferroviários sendo acionados hidraulicamente. 

A bitola original dos eixos da Chevrolet Amazona eram originais, adaptando naturalmente sobre a bitola dos trilhos. 

Ambulância chegou a se tornar peça em exposição
Quando os adaptadores das rodas ferroviárias ficavam abaixados, o movimento se dava pelo contato dos pneus traseiros com os trilhos, permitindo o deslocamento do veículo. Foi emplacada com a chapa de série NFB 1972 de Santana (AP). Esteve na ativa até o final dos anos de 1970. 

Para o deslocamento sobre os trilhos, a ambulância simplesmente subia sobre a estrada férrea, alinhando as quatro rodas sobre elas. Interessante notar-se que a distância entre as rodas era a mesma bitola entre os trilhos, com isto, todas as rodas ficavam em contato permanente com o boleto do trilho. 

A ambulância da ICOMI foi intensamente usada na maioria dos casos de atendimento de urgência, à qualquer pessoa que morasse na Vila operária de Serra do Navio ou no entorno da ferrovia e que necessitasse urgentemente ser deslocada para Macapá. Ela tinha preferência de tráfego sobre qualquer tipo de trem. 

Veículo ainda recebeu alguns reparos físicos
Cuidados e reformas
Daquilo que um dia já foi o período áureo da mineração brasileira, a empresa ICOMI encerrou suas atividades no Amapá no final do século XX, passando suas instalações para a MMX, do Grupo EBX (do empresário Eike Batista).

Por consideração institucional e até histórica, parte desse importante patrimônio conseguiu ser preservado por alguns funcionários e colaboradores da mineradora, que constantemente efetuavam reparos de limpeza e pintura do histórico veículo. 

“Ainda tentaram coloca-la para funcionar de modo limitado, apenas para uso turístico, mas acharam melhor reforma-lo e deixa-lo como expositor da história da mineração”, disse Cláudio Moreira, ex-funcionário da MMX-Amapá, que ainda esteve responsável pela manutenção do veículo quando trabalhava na mineradora. 

Em 2008, quando houve uma nova transição empresarial – passando os direitos de exploração mineral da MMX para a Anglo Ferrous – o ilustre veículo conseguiu ainda ter uma atenção merecida, recebendo uma de suas últimas reformas físicas, tanto que a colorização externa seguia o padrão do Grupo Anglo (azul e branco). 

Espera-se que o veículo siga para um museu
“De uma certa maneira, a direção da Anglo via uma importância naquele veículo em termos de resgate histórico, por isso fizeram uma repaginada sobre ela”, acredita Cláudio. 

Um cuidado tomado pela mineradora em manter esse pedaço da história da mineração amapaense começou a cair no esquecimento após a crise de 2013, quando o cais da empresa desabou e as transações comerciais sofreram suas primeiras quedas, obrigando mais uma vez a recorrer numa nova transição patrimonial. 

Até o início de 2014 ainda era possível ver o veículo sendo limpo e conservado periodicamente por colaboradores, mas a escassez administrativa da nova concessora (Zamin Mineração) levou essa peça histórica a ser tomada pelo matagal do esquecimento alheio. 

Recentemente um grupo de calouros do Curso superior de História, de uma universidade macapaense, comentou nas redes sociais sobre as possibilidades do Poder Público de buscar uma forma de adquirir vários bens moveis e imóveis que representam a classificação histórica do Estado do Amapá. 

A atual concessora da área da antiga ICOMI foi procurada pelo blog para comentar sobre o quadro físico da extensa área industrial daquele que já foi um dos maiores exportadores minerais da América Latina, mas ninguém da diretoria no Estado foi diretamente localizado, ficando mais vez sobre a vontade das autoridades competentes de avaliar a importância desses bens para a história recente do Estado.

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